sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Isadora e jabuticabas

Amigo, queria te dizer que, nesse ano de 2014 as jabuticabas vieram lindas e carregaram os dois lados do pé. Lembra que no ano passado elas apareceram de um lado só? 
É bonito quando as flores começam a querer aparecer porque nessa hora são só pontinhos na madeira e a gente ainda não tem certeza. Mas depois vêm as flores brancas e minúsculas que dão origem a umas bolinhas verdes que a gente espera crescer. Quando as primeiras começam a ficar roxinhas a gente corre lá pra baixo da árvore, você sabe. E as jabuticabas ficaram lindas, grandes e escuras. É uma pena que elas parem de brotar tão rápido e em pouco mais de um mês já sobraram poucas no pé. Hoje eu e o pai colhemos uma vasilha cheia delas, apesar de que já estão diminuindo em número e qualidade. Seria muito bom se você estivesse aqui pra ver, mas como não está, vou te deixar essa foto, assim você pode ver melhor.




Tem mais uma coisa que eu gostaria que você soubesse, é sobre um presente qu'eu ganhei esse ano, você sabe, é a Isadora. Eu e meu irmão vamos batizá-la no dia sete de dezembro. Acho que você ainda não sabe, mas ela nasceu bem pequenininha e com um cabelo bem lisinho. Agora ela está com quase cinco meses, dá risada, tem o cabelo enroladinho e está bem gorda. É engraçado porque todos ficam tentando adivinhar a personalidade dela, isso me irrita um pouco. Eu acho, Cesar, que a nossa personalidade já nasce com a gente, mas o meio em que a gente vive faz variar bastante.
Particularmente, não quero ficar adivinhando a personalidade da Isadora, só acho que vai ser bonitinho quando começar a me chamar de madrinha.

Também acho um pouco exagerada a super proteção da Érica em cima dela, talvez não faça muito bem e chega a ser chato de vez em quando, mas eu fico na minha. Você sabe como é, daqui uns anos ela vai estar correndo por aí e levando tabefe na escola, então esse tipo de coisa não adianta muito.

Queria te contar que o curso qu'eu tive que fazer pra batizá-la foi realmente muito chato porque eu não entendia muito bem o que aquele senhor falava, mas prestando muita atenção consegui absorver alguma boa informação. Fiz o curso na gruta, ali perto da sua casa, mas vamos batizá-la na Paróquia de São Sebastião, em Quatro Barras.

Costumo pensar que não fui bater à porta de ninguém pra pedir para batizar a menina, foram eles que vieram até mim, então eu devo ser especial pra eles por algum motivo. Então vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para que eu e a Isadora sejamos boas amigas e ensiná-la a contar comigo.

Acredito que presentes são bons. As bonecas que eu ganhei da minha madrinha estão guardadas até hoje, têm duas que eu amava tanto, lembro exatamente como foi o dia em que ganhei. Uma tem o cabelo comprido e uma cesta de pique-nique grande e cheia de frutas. Tem até croissant. Tem um vestido azul marinho com estampa de patinhos e uma gola branca em forma de babeiro. A outra tem o cabelo curto, feito em duas maria chiquinhas e tem um vestido rosa e florido cheio de laços de fita. Eu gostei tanto. Isso porque minha mãe costumava comprar aqueles bebês da Estrela que tinham só uma mecha de cabelos na cabeça, sabe? Acho que minha mãe tinha tanta vontade de ter esses bebês quando era criança, que acabava me dando muitos deles, ainda tenho duas guardadas. Mas as da minha madrinha não, tinham longos e lindos cabelos.

Apesar disso, quero ser mais que meros lindos presentes. Sabe aquela questão sobre personalidades? Então, quero ajudar a formar um pouquinho da personalidade da Isadora. Quero ensiná-la a ser uma pessoa íntegra, honesta e sensível com o mundo que está a volta dela. Você sabe que esses valores vêm desde quando somos crianças. Quero deixar minha marca na vida dela, nem que seja ensinando a dividir o lanche com as amigas ou a devolver o troco que sobrou. Quero que ela, longe dos cabrestos da sociedade, entenda que pode amar meninos, meninas, flores, senhorinhas tricotanto no parque, cachorrinhos e borboletas. Quero que ela lembre de mim como alguém que a ensinou a fazer a diferença. É bom ter boas marcas das pessoas que fazem parte da nossa vida, entende?  Quando amamos muito uma pessoa e percebemos que ela é capaz de fazer coisas ruins, continuamos amando muito, mas nosso coração fica entristecido. Agora, quando amamos uma pessoa e percebemos que ela é capaz de fazer e ensinar coisas boas, passamos a amá-la cada dia mais. Sabe, fico tão feliz quando alguém que eu gosto muito cumprimenta as serventes que estão limpando a sala de aula, é gratificante as boas atitudes das pessoas que nós amamos.

Queria deixar também uma foto que tirei da Isadora, agora, com quase cinco meses. Queria ouvir sua opinião sobre como ela é fofinha e mordível, mas não posso, infelizmente. Tenho absoluta certeza da festa que ela faria cada vez que te visse chegando, porque era assim que meu coração ficava cada vez que isso acontecia.







Com carinho,
Djessyka

sábado, 22 de novembro de 2014

Não seja indiferente, Felipe

Muitas vezes, Cesar, nós nos tornamos indiferentes em relação às coisas que acontecem à nossa volta.  Mas não é culpa da gente, sabe. É que as situações horríveis chegam diariamente, não temos controle sobre isso, dá pra ver nos telejornais. As notícias a respeito de morte com  tiros de uma arma de fogo já não nos comovem mais. É comum. Mulher estuprada no matagal e encontrada morta no dia seguinte é comum. Filho matar pai, pai matar criança... Infelizmente é comum.  Tem criança vendendo bala no sinal, mas a gente sabe, é comum. Nos tornamos um pouco indiferentes diante de todo o sofrimento dos nossos próprios irmãos.

Querido, entenda, isso não é uma crítica a você, mas a todos nós. O que eu quero, na verdade, é que  você seja diferente do comum. Quero que você, Cesar, seja sensível com a atual situação. Quero que você, amigo, sinta compaixão. Quero que sempre que possível, por mais que pareça besteira, você sinta a dor de uma mãe que perdeu o filho pras drogas, porque esse filho já foi uma criança, já deu seus primeiros passos, já levou pontos no braço por cair andando de bicicleta. Sinta, Cesar, cada vez que um brasileirinho morrer por motivos banais; quando uma criança morre indignamente lembre-se que era apenas uma criança e tinha um futuro lindo pela frente.

Fatalidades são tão comuns e as pessoas estão se habituando a elas. Não se habitue, por favor. Nós só fazemos o bem quando nos sentimos desconfortáveis com a situação do próximo, independente de quem ele seja. Eu quero te dizer que espero que você também se sinta desconfortável diante de situações como estas. Digo isso porque sei do seu potencial de ajudar as pessoas e da sua boa vontade, mas se não houver desconforto, a gente se acomoda.

É isso que eu quero te pedir nessa carta, que você não se acomode. Muitas pessoas, Cesar, já perderam a fé na humanidade quando se encontram diante de um telejornal sangrento. E essas pessoas têm razão porque já são mais velhas e já viram muita coisa acontecer, já estão calejados de notícias ruins e descrentes de que tudo pode mudar. Mas você não. Você é jovem, cheio de vida e cheio de confiança e compaixão. Sabe, se as pessoas mais vividas já perderam a fé na humanidade, nós não devemos perder. As vezes parece difícil, mas se nós não mostrarmos que é possível, quem vai mostrar?

Procure sempre entender a dor das pessoas, mesmo que você vá chegar mais tarde em casa. Cada pessoa é única, amigo. Somos donos de tantas emoções, tantas dores. Chore se não puder fazer nada por alguém que você gostaria muito de ajudar, não precisa chorar em público; as vezes é só o coração que chora. Faça o que puder, só não seja indiferente, o mundo já está muito cheio de indiferença e egoísmo. Você é uma pessoa incrível que só merece dar o seu melhor.

Com carinho,
Djessyka

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Você é lindo, Cesar.

Estou em semana de provas e não estou achando nada fácil, mas assuntos sobre faculdade eu gostaria de deixar pra outra carta. Nesta, eu gostaria de dizer pra você não se importar com esteriótipos.
Convivi muito contigo e percebi que você tem se importado muito com isso. Sinceramente, por mais que você pense o contrário, eu não me importo.
Sabe Felipe, as pessoas são diferentes mesmo. No nosso país viviam índios, que foram colonizados por jesuítas. Africanos foram trazidos pra trabalhar. Posteriormente, vieram os europeus. Tem de tudo aqui. Tem japonês e árabe. Tem americano e alemão. Tem cabelo liso e tem cabelo crespo. Tem olho preto e olho azul. Tem gordinho e tem magrinho. Tem melancia que nasce quadrada, bebê trocado na maternidade, tem Funk e pizza dividida por sabor. E tem amor também.

Queria dizer que te amo tanto que acho improvável (e até mesmo impossível) que você não se ame. Estava aqui, te olhando de dentro pra fora e de fora pra dentro e, sinceramente, você é lindo em todos esses (e também em outros) sentidos. E, acredite, você tem muitas razões pra se amar, sendo a primeira delas o saldo quase infinito de pessoas que amam você. Sinto dizer, mas acho que ainda posso ser a primeira delas. Outra razão é a falta absurda que você tem feito na minha vida. E é lindo ser isso, e é lindo sorrir, e é lindo comer cabides, e é lindo dançar na cozinha, e é lindo ser um boneco de posto de gasolina. Pra mim, é simplesmente lindo. E, ainda tenho outra razão, sendo esta a inveja que eu tenho das pessoas que estão compartilhando bons momentos com você agora. Talvez, Felipe, enquanto eu escrevo esta carta que pode nunca chegar até você, você está rindo, ou brindando, ou comendo cabides, ou dançando na cozinha, ou sendo um boneco de posto de gasolina.

E, apesar disso, desejo do fundo do meu coração que você continue sendo isso. Continue sorrindo, continue comendo cabides, continue dançando na cozinha, continue sendo bonecos de posto de gasolina. Mesmo que eu não possa mais compartilhar estes momentos contigo, continue. Todos precisam saber o quanto você é lindo por dentro também.

Com carinho,
Djessyka

domingo, 16 de novembro de 2014

Cesar, se uma estrela cair em sua cabeça, dance.

Querido amigo,

Existe uma história que eu gosto. É sobre uma Vaca. Uma vaca que era comum.

"Vaca vermelha - esse era o nome pelo qual era conhecida. Também era muito importante e próspera (assim minha mãe dizia). Ela vivia no melhor pasto de todo o distrito - um pasto enorme e repleto de ranúnculos do tamanho de pratos e dentes-de-leão enfileirados feito soldadinhos. cada vez que ela arrancava a cabeça de um soldado, nascia outro no lugar com um casaco militar verde e seu barrete amarelo.
Ela sempre viveu lá - ela contou pra minha mãe que não podia se lembrar de ter vivido em outra campina. Seu mundo era delimitado pelas sebes verdejantes e pelo céu e ela não sabia de nada que ficasse além dali.A Vaca Vermelha era muito respeitável, sempre se comportava como uma perfeita dama e sabia colocar os pingos nos is. Para ela, as coisas eram pretas ou brancas - não havia meio-termo. Dentes-de-leão era doces ou amargos - lá nunca houve nem sequer alguns que fossem moderadamente bons.Ela levava uma vida muito ocupada. Investia suas manhãs em dar lições à sua filha, a Bezerra Vermelha, e de tarde ensinava regras de etiqueta à pequena, e como mugir e todas as coisas que uma bezerra muito bem-educada deve fazer. Então, elas ceavam, e a Vaca vermelha mostrava à Bezerra Vermelha como diferenciar uma boa folha de grama de uma ruim; e quando sua criança dormia à noite, ela seguia até um canto do pasto e ruminava e meditava seus pensamentos silenciosos.Todos os seus dias eram exatamente iguais. Uma Bezerra Vermelha crescia e ia embora e outra vinha em seu lugar. E era natural que a Vaca Vermelha imaginasse que a vida dela seria sempre a mesma - na verdade, sentia que não podia pedir nada além disso, que todos os seus dias fossem iguais até que ela chegasse ao fim deles.Mas a cada momento em que pensava nisso, a aventura, como ela depois contou para minha mãe, perseguia os seus cascos. E certa noite a encontrou, quando as estrelas pareciam dentes-de-leão no céu e a Lua, uma grande margarida entre as estrelas.Naquela noite, muito depois da Bezerra Vermelha ter adormecido, a Vaca Vermelha se ergueu abruptamente e começou a dançar. Ela dançou loucamente de um jeito muito lindo e num ritmo perfeito, embora não tivesse nenhuma música para acompanhar. às vezes era uma polca, outras uma dança montanhesa da Escócia e de vez em quando uma dança que inventou da própria cabeça. E entre essas danças, ela fazia mesuras e arcos arrebatadores e batia sua cabeça contra os dentes-de-leão.- Pobre de mim! - disse a Vaca Vermelha para si mesma enquanto embarcava numa melodia de marujo. - Que coisa mais extraordinária! Sempre considerei inapropriado dançar, mas deixei isso pra lá desde que me tornei dançarina. Pois sou uma vaca-modelo.E continuou a dançar, e a gostar de si mesma. Contudo, finalmente ela se sentiu cansada e decidiu que já dançara o suficiente e que iria dormir. Mas, para sua grande surpresa, percebeu que não podia parar de dançar. Quando se deitou ao lado da Bezerra Vermelha, suas pernas não lhe obedeceram. Saíram saltitando e dando pinotes e, claro, carregando-a. E deu voltas na campina, pulando e valsando e sapateando nas pontas dos pés.- Pobre de mim! - ela murmurava de quando em quando com pronúncia de madame. - Que inusitado!Mas não conseguia parar.De manhã ela ainda estava dançando e a Bezerra Vermelha teve que tomar seu café da manhã de dentes-de-leão sozinha, pois a Vaca Vermelha não conseguia ficar parada para comer.Durante o dia inteiro ela dançou, para cima e para baixo pelo prados, e dando volta neles, com a Bezerra Vermelha mugindo copiosamente atrás dela. Quando a segunda noite chegou, e ela ainda dançava sem parar, começou a ficar preocupada de verdade. E ao final de uma semana assim, já estava quase maluca.- Para resolver isto, preciso ir ver o Rei - decidiu, se assentindo com a cabeça.Daí beijou sua Bezerra Vermelha e pediu que ela se comportasse. Então deu meia-volta e saiu dançando pela pradaria para ir falar com o Rei.Ela dançou todo o caminho, arrebatando um bocadinho de comida verdejantes nas cercas enquanto prosseguia, e cada olhar que a via se estatelava de espanto. Mas ninguém estava mais espantado do que a própria Vaca Vermelha.Enfim ela chegou ao palácio onde o Rei vivia. Ela puxou a corda do sino com a boca, e quando a ponte abriu, dançou através dela e ao longo das trilhas do jardim até chegar ao lance de escadas que conduzia ao trono real.O Rei estava sentado nele, muito ocupado, estabelecendo um novo conjunto de leis. O secretário as anotava em um caderninho vermelho, uma a uma, enquanto o Rei as ditava. Havia Cortesãos e Damas de Companhia por todos os lados, todos vestidos com capricho e falando ao mesmo tempo.- Quantas eu fiz hoje? Perguntou o Rei, virando-se para o secretário.O secretário contou as leis que anotara no caderninho vermelho,- Setenta e duas, Vossa Majestade - ele disse, se curvando e tomando cuidado para não tropeçar em sua caneta bico de pena, que era enorme.- Humm. Nada mau para uma hora de trabalho - disse o Rei, parecendo muito satisfeito consigo mesmo. -Por hoje é só.Ele se levantou e arrumou com satisfação seu manto de arminho, típico de reis.- Chame a carruagem. Preciso ir ao Barbeiro- disse, majestosamente.Foi então que notou a Vaca Vermelha se aproximando. Ele se sentou de novo e tomou seu cetro.- O que temos aqui, hein? Ele perguntou, enquanto a Vaca Vermelha dançava até o pé dos degraus da escada.- Uma vaca, Vossa Majestade! - Ela respondeu com simplicidade.- Isso eu posso ver - disse o rei. - Minhas vistas ainda funcionam. Mas o que você quer? Seja breve, pois tenho hora marcada no Barbeiro às dez. Ele não vai me esperar muito além disso e eu preciso cortar o cabelo. E pela santa paciência, pare de rebolar para lá e para cá desse jeito! - e acrescentou irritado - ... isso me deixa tonto!- Me deixa tonto! - ecoaram todos os Cortesãos, a encarando.- Este é meu problema, Vossa Majestade. Eu não posso parar! - lamentou-se a Vaca Vermelha.- Não pode parar? Que besteira! - disse o Rei, com fúria. - Pare de uma vez! Eu, o Rei, vos ordeno!- Pare de uma vez! O Rei vos ordena! - gritaram os Cortesãos.A Vaca Vermelha fez um grande esforço. Ela tentou parar de dançar com tanta vontade que cada músculo e cada costela se levantaram, fazendo cordilheiras por cima dela. Mas de nada adiantou. Ela apenas continuou a dançar aos pés da escada do Rei.- Eu tentei, Vossa Majestade. E não consegui. Já estou dançando há sete dias sem parar. E não tenho dormido. E comido muito pouco. Uma ou duas beliscadinhas na espinheira e nada além disso. Por isso vim pedir o vosso conselho.- Humm, muito curioso... - disse o Rei, empurrando a coroa para o lado e coçando a cabeça.- Muito curioso... - disseram os Cortesãos, também coçando a cabeça.- E qual é a sensação? - perguntou o Rei.- É divertido. E ainda por cima - disse a vaca Vermelha, fazendo uma pausa para escolher as palavras -, é também bastante agradável. Como se risadas corressem de cima para baixo, dentro de mim.- Extraordinário - disse o Rei, apoiando o queixo na mão e observando a vaca Vermelha, enquanto pensava qual era a melhor coisa a se fazer.De repente, ele deu um pulo e ficou em pé.- Minha nossa!- Que foi? - gritaram os Cortesãos.- Ué, vocês não percebem? - Perguntou o Rei, tão animado que largou o cetro. - Como pude ter sido tão idiota de não perceber antes? E que bando de idiotas vocês são!Ele se virou para os Cortesãos, com raiva: - Não perceberam que tem uma estrela cadente presa no chifre dela?- É mesmo! gritaram os Cortesãos, ao notarem a estrela pela primeira vez, E ao olharem, parecia que a estrela ficava mais brilhante.- É isso o que está errado! - disse o Rei. - Agora, Cortesãos, tirem isso daí para que esta...err... senhorita pare de dançar e vá tomar seu café da manhã. Trata-se da estrela, senhora, é isso o que a faz dançar - ele disse à Vaca Vermelha. - Ei, você aí, mexa-se!E gesticulou ao Chefe dos Cortesãos, que se postou espertamente diante da Vaca Vermelha e começou a puxar a estrela com toda força. Mas a estrela não queria sair. Um a um, todos os Cortesãos se juntaram ao Chefe, até formarem uma longa corrente, cada qual puxando o homem diante de si pela cintura, e um cabo de guerra se formou entre os Cortesãos e a estrela.- Cuidado com minha cabeça!- Puxem com mais força! - rugiu o Rei.Eles puxaram com mais força, Puxaram até seus rostos ficarem vermelhos feito framboesa. Eles puxaram até não poderem mais e todos caírem um em cima do outro. A estrela nem se mexeu. Continuou presa ao chifre com muita firmeza.- Tsc, tsc, tsc! - disse o rei. - Secretário, dê uma olhadinha aí na enciclopédia o que diz sobre vacas com estrelas nos chifres.O Secretário se ajoelhou e começou a rastejar de baixo do trono. Logo emergiu de volta, arrastando um grande livro verde que era sempre mantido ali para o caso de o Rei querer saber alguma coisa.O secretário revirou as páginas.- Não há nada sobre o assunto, Vossa Majestade, exceto a história da Vaca que Pulou por Cima da Lua, mas essa o senhor já conhece.O rei esfregou o queixo, pois isso ajudava a pensar,Ele suspirou meio irritado e olhou para a Vaca Vermelha.- Tudo o que posso dizer é que seria melhor você também tentar fazer isso.- Tentar fazer o quê? - Disse a Vaca Vermelha.- pular por cima da Lua. Deve dar em alguma coisa. De qualquer modo, vale a pena tentar.- Eu? - disse a Vaca Vermelha com um olhar indignado.- Sim, você. Quem mais? - disse o rei, impaciente. Ele estava ansioso para ir ao Barbeiro.- Senhor - disse a Vaca Vermelha -, peço-lhe que se lembre que sou um animal muito respeitável e decente e que aprendi desde a infância que pular não é coisa que uma dama faça.O Rei se ergueu e chacoalhou seu cetro na direção dela.- Senhora - ele disse -, você veio aqui atrás de um conselho meu e acabei de dá-lo. Você quer continuar dançando pra sempre? Você quer passar fome pra sempre? Você quer continuar sem dormir pra sempre?A Vaca Vermelha pensou no suculento gosto doce dos dentes-de-leão. Ela pensou na grama do pasto e em como era macia de se deitar. Ela pensou em suas esgotadas pernas saltitantes e em como seria bom poder descansá-las. E disse a si mesma: "Talvez só uma vez não faça mal - e ninguém além do Rei precisa saber".- Será que é muito alto? - ela gritou, enquanto dançava.O Rei olhou para a Lua lá em cima.- Pelo menos um quilômetro e meio, acredito.A Vaca Vermelha concordou. E também pensou sobre o assunto. Refletiu por um momento, então se decidiu.- Nunca pensei que chegaria a tanto, Vossa Majestade. Pular, e por cima da Lua! mas eu vou tentar - e fez uma graciosa reverência em frente ao trono.- Muito bem - disse o Rei, satisfeito, percebendo que depois de tudo aquilo não chegaria atrasado ao barbeiro. - Siga-me!Ele enveredou pelo caminho até o jardim, e a Vaca Vermelha e os Cortesãos foram atrás dele.- Agora - disse o Rei, ao atingir o espaçoso gramado -, pule quando eu apitar!Ele retirou um grande apito dourado do bolso de seu colete e assoprou para se certificar de que não havia poeira dentro dele.A Vaca Vermelha dançava, prestando atenção.- Agora - disse o Rei. - Um! Dois! Três!Então apitou.A Vaca Vermelha, prendendo a respiração, deu um pulo enorme, gigantesco, e a terra balançou debaixo dela. Ela podia ver lá embaixo as silhuetas do Rei e dos Cortesãos ficando cada vez menores, até desaparecerem. Disparando acima, através do céu, com as estrelas girando ao redor dela como grandes baixelas douradas, logo a Vaca Vermelha sentiu, acima de si, a luz cegante e os raios frios da Lua. Fechou os olhos ao ultrapassá-la, e conforme o brilho deslumbrante ficou pra trás, jogou a cabeça em direçao à Terra e sentiu a estrela cadente deslizando pelo seu chifre. Fazendo um barulhão, a estrela se soltou de vez e saiu rolando pelo céu. E pareceu à Vaca que, ao desaparecer dentro da grande escuridão, acordes musicais saíram da estrela e ecoaram através do espaço.No minuto seguinte, a Vaca Vermelha já pousara novamente na Terra, Para sua grande surpresa, ela percebeu que não estava no jardim do Rei, e sim na sua própria campina de dente-de-leão.E ela tinha parado de dançar! Seus pés estavam tão imóveis como se tivessem sido feitos de pedra, e ela caminhava tão vagarosamente como qualquer outra respeitável vaca. Quieta e serenamente, ela se moveu através da campina, decapitando seus soldadinhos dourados enquanto seguia para cumprimentar a Bezerra Vermelha.- Estou feliz que você voltou! - disse a Bezerra Vermelha. - Eu estava tão sozinha...A Vaca Vermelha a beijou e se sentou para ruminar o pasto. Era sua primeira refeição de verdade em uma semana. E até sua fome ser satisfeita, teve que comer várias vezes. Depois disso sentiu-se melhor e logo começou a viver sua vida do mesmo jeito que era antes.Primeiro, ela apreciou bastante sua rotina tranquila, e ficou feliz por poder comer seu café da manhã sem ter que dançar, e também de poder se deitar na grama e dormir de noite em vez de ficar reverenciando a Lua até de manhã.Mas, depois de um tempo, ela passou a se sentir desconfortável e insatisfeita. Estava tudo muito bem com sua campina de dentes-de-leão e com a Bezerra Vermelha, mas ela queria algo mais e não podia imaginar o que podia ser. E, afinal, percebeu que sentia falta da estrela.Ela tinha se acostumado a dançar, e também à alegria que a estrela lhe dera, e gostaria de novamente dançar a melodia do marujo e ter a estrela em seu chifre.Ficou aflita, perdeu o apetite, seu humor se tornou atroz. E com frequência caía no choro sem nenhuma razão aparente. Por fim, procurou minha Mãe, contou-lhe toda história e pediu o conselho dela.- Minha querida! - minha Mãe disse a ela. - Você não acredita que apenas uma estrela tenha caído do céu, não é? Bilhões caem todas as noites, estou lhe dizendo. Mas elas caem em lugares diferentes, claro. Não espere que duas estrelas caiam na mesma campina no tempo inteiro de uma vida.- Então você acha... que se eu me mudasse?... - a Vaca Vermelha começou, com um olhar ansioso e feliz.- Se fosse comigo - minha Mãe falou -, eu iria procurar por uma.- Eu vou - disse a Vaca Vermelha, feliz da vida. - Mas vou mesmo.Mary Poppins fez uma pausa.- E é por isso, imagino, que ela esteja vagando pela Cherry Tree Lane - interrompeu Jane, com gentileza.- Sim - sussurrou Michael -, ela está procurando a estrela."


(Mary Poppins - Cap. 5 - A Vaca Dançante)

Por isso, meu amigo, quando uma estrela cair na sua cabeça, seja ela uma oportunidade, uma piscina pra mergulhar, um amigo pra perdoar, uma chance de voltar atrás. Seja ela uma oportunidade de ser gentil, de ajudar quem precisa. Uma chance de ouvir os problemas de alguém, de sorrir para uma criança, de dar um lugar no ônibus, de dizer à sua mãe o quanto a ama. Seja ela a oportunidade de mudar de ideia, de dar o braço a torcer, de aceitar opiniões que sejam diferentes da sua. Seja ela a oportunidade de devolver o pertence de alguém, de cumprimentar, de abraçar, de estender a mão, de dar um presente a quem você ama.
As estrelas, Cesar, vêm disfarçadas de oportunidades de se mostrar uma nova pessoa diante destas atitudes. Não deixe que elas passem, faça a diferença e honre a estrela que cair na sua cabeça. Você foi pra outra cidade, outro país em busca de estrelas e, quando elas caírem, seja gentil. Quando você voltar, outras estrelas lhe estarão esperando, não deixe que saiam de você. Pessoa nenhuma pode arrancar as estrelas que recebemos. Elas nos escolhem para que façamos o bem para os outros e para nós mesmos.

Então, Cesar, se uma estrela cair em sua cabeça, dance.

Com carinho,
Djessyka

terça-feira, 11 de novembro de 2014

A vida não é como queremos, Cesar.

Amigo, já não sei quanto tempo faz que paramos de nos falar. Sei que sua viagem foi em agosto ou setembro. Sei também que estamos longe um do outro agora. Não sei exatamente quantas cartas preciso te escrever pra aliviar minha saudade por mais que ela seja bem grande. A verdade é que nem sei se qualquer uma destas cartas vai chegar até você. Digo isso por alguns motivos:

Primeiro o orgulho. Jamais chegaria até você pra lhe mostrar qualquer coisa que eu tenha escrito, sabe, às vezes é demais pra mim dar o braço a torcer. Segundo o vitimismo. Não quero me fazer de a-boazinha-que-escreveu-uma-série-de-cartas-para-o-amigo-que-brigou-e-foi-morar-em outro-país, até porque eu também errei em algumas coisas contigo. Terceiro porque sempre tive medo das reações das pessoas. Você, como meu amigo, sabe que já levei bons pés na bunda e que estou tentando não me decepcionar com as pessoas ultimamente (talvez eu fale disso em alguma carta futura). Quarto (e mais importante) não quero criar expectativas de que vamos nos falar de novo. Se eu alimentasse a esperança e a expectativa de um dia te mostrar essas cartas, talvez esse tipo de sentimento esteja acoplado a um possível retorno da boa amizade que tínhamos até então. Seria maravilhoso, mas como eu disse, não quero alimentar qualquer expectativa famigerada que venha me tirar o sono. Quinto, não quero me enganar pensando sem querer que quando você voltar para o Brasil vamos automaticamente começar a nos falar. Não parece que vai ser assim.

Cesar, são esses os motivos que me levam a acreditar que minhas cartas devem ficar escondidas por quanto tempo for necessário. É difícil pensar que o necessário pode ser pra sempre. Pode ser que me lembre dessas cartas quando for tarde demais e a vida tenha mexido com alguma raiz da amizade que tínhamos (ou temos). Pode ser que eu me arrependa por isso daqui alguns anos. Ninguém sabe.

Por isso, Cesar, a vida não é como queremos. Se assim fosse, estaríamos nos falando todos os dias por meio de qualquer parafernalha tecnológica. Muitas coisas não correspondem às nossas expectativas: pode ser um bolo que queimou, um vestibular frustrado, ou um amigo perdido. E, sabe amigo, por mais que pareça difícil temos que aprender a conviver com as frustrações. Elas vão doer seu coração, as vezes por meses a fio e você vai chorar. Todos vamos. Mas dentro da gente sempre vai existir algum tipo de força pra colocar o pé no chão e abrir a porta pra tentar entender o que a vida tem pra gente.

Então, Cesar, cresça independente de mim. Eu sou só um apêndice, um anexo da vida. Não sou nada que possa contribuir com qualquer sucesso que você venha a ter. Talvez alguma carta futura te diga ao contrário, e, se isso acontecer é porque sou assim mesmo, cheia de restrições e qualquer tipo decontradição.


Com carinho,
Djessyka.