domingo, 16 de novembro de 2014

Cesar, se uma estrela cair em sua cabeça, dance.

Querido amigo,

Existe uma história que eu gosto. É sobre uma Vaca. Uma vaca que era comum.

"Vaca vermelha - esse era o nome pelo qual era conhecida. Também era muito importante e próspera (assim minha mãe dizia). Ela vivia no melhor pasto de todo o distrito - um pasto enorme e repleto de ranúnculos do tamanho de pratos e dentes-de-leão enfileirados feito soldadinhos. cada vez que ela arrancava a cabeça de um soldado, nascia outro no lugar com um casaco militar verde e seu barrete amarelo.
Ela sempre viveu lá - ela contou pra minha mãe que não podia se lembrar de ter vivido em outra campina. Seu mundo era delimitado pelas sebes verdejantes e pelo céu e ela não sabia de nada que ficasse além dali.A Vaca Vermelha era muito respeitável, sempre se comportava como uma perfeita dama e sabia colocar os pingos nos is. Para ela, as coisas eram pretas ou brancas - não havia meio-termo. Dentes-de-leão era doces ou amargos - lá nunca houve nem sequer alguns que fossem moderadamente bons.Ela levava uma vida muito ocupada. Investia suas manhãs em dar lições à sua filha, a Bezerra Vermelha, e de tarde ensinava regras de etiqueta à pequena, e como mugir e todas as coisas que uma bezerra muito bem-educada deve fazer. Então, elas ceavam, e a Vaca vermelha mostrava à Bezerra Vermelha como diferenciar uma boa folha de grama de uma ruim; e quando sua criança dormia à noite, ela seguia até um canto do pasto e ruminava e meditava seus pensamentos silenciosos.Todos os seus dias eram exatamente iguais. Uma Bezerra Vermelha crescia e ia embora e outra vinha em seu lugar. E era natural que a Vaca Vermelha imaginasse que a vida dela seria sempre a mesma - na verdade, sentia que não podia pedir nada além disso, que todos os seus dias fossem iguais até que ela chegasse ao fim deles.Mas a cada momento em que pensava nisso, a aventura, como ela depois contou para minha mãe, perseguia os seus cascos. E certa noite a encontrou, quando as estrelas pareciam dentes-de-leão no céu e a Lua, uma grande margarida entre as estrelas.Naquela noite, muito depois da Bezerra Vermelha ter adormecido, a Vaca Vermelha se ergueu abruptamente e começou a dançar. Ela dançou loucamente de um jeito muito lindo e num ritmo perfeito, embora não tivesse nenhuma música para acompanhar. às vezes era uma polca, outras uma dança montanhesa da Escócia e de vez em quando uma dança que inventou da própria cabeça. E entre essas danças, ela fazia mesuras e arcos arrebatadores e batia sua cabeça contra os dentes-de-leão.- Pobre de mim! - disse a Vaca Vermelha para si mesma enquanto embarcava numa melodia de marujo. - Que coisa mais extraordinária! Sempre considerei inapropriado dançar, mas deixei isso pra lá desde que me tornei dançarina. Pois sou uma vaca-modelo.E continuou a dançar, e a gostar de si mesma. Contudo, finalmente ela se sentiu cansada e decidiu que já dançara o suficiente e que iria dormir. Mas, para sua grande surpresa, percebeu que não podia parar de dançar. Quando se deitou ao lado da Bezerra Vermelha, suas pernas não lhe obedeceram. Saíram saltitando e dando pinotes e, claro, carregando-a. E deu voltas na campina, pulando e valsando e sapateando nas pontas dos pés.- Pobre de mim! - ela murmurava de quando em quando com pronúncia de madame. - Que inusitado!Mas não conseguia parar.De manhã ela ainda estava dançando e a Bezerra Vermelha teve que tomar seu café da manhã de dentes-de-leão sozinha, pois a Vaca Vermelha não conseguia ficar parada para comer.Durante o dia inteiro ela dançou, para cima e para baixo pelo prados, e dando volta neles, com a Bezerra Vermelha mugindo copiosamente atrás dela. Quando a segunda noite chegou, e ela ainda dançava sem parar, começou a ficar preocupada de verdade. E ao final de uma semana assim, já estava quase maluca.- Para resolver isto, preciso ir ver o Rei - decidiu, se assentindo com a cabeça.Daí beijou sua Bezerra Vermelha e pediu que ela se comportasse. Então deu meia-volta e saiu dançando pela pradaria para ir falar com o Rei.Ela dançou todo o caminho, arrebatando um bocadinho de comida verdejantes nas cercas enquanto prosseguia, e cada olhar que a via se estatelava de espanto. Mas ninguém estava mais espantado do que a própria Vaca Vermelha.Enfim ela chegou ao palácio onde o Rei vivia. Ela puxou a corda do sino com a boca, e quando a ponte abriu, dançou através dela e ao longo das trilhas do jardim até chegar ao lance de escadas que conduzia ao trono real.O Rei estava sentado nele, muito ocupado, estabelecendo um novo conjunto de leis. O secretário as anotava em um caderninho vermelho, uma a uma, enquanto o Rei as ditava. Havia Cortesãos e Damas de Companhia por todos os lados, todos vestidos com capricho e falando ao mesmo tempo.- Quantas eu fiz hoje? Perguntou o Rei, virando-se para o secretário.O secretário contou as leis que anotara no caderninho vermelho,- Setenta e duas, Vossa Majestade - ele disse, se curvando e tomando cuidado para não tropeçar em sua caneta bico de pena, que era enorme.- Humm. Nada mau para uma hora de trabalho - disse o Rei, parecendo muito satisfeito consigo mesmo. -Por hoje é só.Ele se levantou e arrumou com satisfação seu manto de arminho, típico de reis.- Chame a carruagem. Preciso ir ao Barbeiro- disse, majestosamente.Foi então que notou a Vaca Vermelha se aproximando. Ele se sentou de novo e tomou seu cetro.- O que temos aqui, hein? Ele perguntou, enquanto a Vaca Vermelha dançava até o pé dos degraus da escada.- Uma vaca, Vossa Majestade! - Ela respondeu com simplicidade.- Isso eu posso ver - disse o rei. - Minhas vistas ainda funcionam. Mas o que você quer? Seja breve, pois tenho hora marcada no Barbeiro às dez. Ele não vai me esperar muito além disso e eu preciso cortar o cabelo. E pela santa paciência, pare de rebolar para lá e para cá desse jeito! - e acrescentou irritado - ... isso me deixa tonto!- Me deixa tonto! - ecoaram todos os Cortesãos, a encarando.- Este é meu problema, Vossa Majestade. Eu não posso parar! - lamentou-se a Vaca Vermelha.- Não pode parar? Que besteira! - disse o Rei, com fúria. - Pare de uma vez! Eu, o Rei, vos ordeno!- Pare de uma vez! O Rei vos ordena! - gritaram os Cortesãos.A Vaca Vermelha fez um grande esforço. Ela tentou parar de dançar com tanta vontade que cada músculo e cada costela se levantaram, fazendo cordilheiras por cima dela. Mas de nada adiantou. Ela apenas continuou a dançar aos pés da escada do Rei.- Eu tentei, Vossa Majestade. E não consegui. Já estou dançando há sete dias sem parar. E não tenho dormido. E comido muito pouco. Uma ou duas beliscadinhas na espinheira e nada além disso. Por isso vim pedir o vosso conselho.- Humm, muito curioso... - disse o Rei, empurrando a coroa para o lado e coçando a cabeça.- Muito curioso... - disseram os Cortesãos, também coçando a cabeça.- E qual é a sensação? - perguntou o Rei.- É divertido. E ainda por cima - disse a vaca Vermelha, fazendo uma pausa para escolher as palavras -, é também bastante agradável. Como se risadas corressem de cima para baixo, dentro de mim.- Extraordinário - disse o Rei, apoiando o queixo na mão e observando a vaca Vermelha, enquanto pensava qual era a melhor coisa a se fazer.De repente, ele deu um pulo e ficou em pé.- Minha nossa!- Que foi? - gritaram os Cortesãos.- Ué, vocês não percebem? - Perguntou o Rei, tão animado que largou o cetro. - Como pude ter sido tão idiota de não perceber antes? E que bando de idiotas vocês são!Ele se virou para os Cortesãos, com raiva: - Não perceberam que tem uma estrela cadente presa no chifre dela?- É mesmo! gritaram os Cortesãos, ao notarem a estrela pela primeira vez, E ao olharem, parecia que a estrela ficava mais brilhante.- É isso o que está errado! - disse o Rei. - Agora, Cortesãos, tirem isso daí para que esta...err... senhorita pare de dançar e vá tomar seu café da manhã. Trata-se da estrela, senhora, é isso o que a faz dançar - ele disse à Vaca Vermelha. - Ei, você aí, mexa-se!E gesticulou ao Chefe dos Cortesãos, que se postou espertamente diante da Vaca Vermelha e começou a puxar a estrela com toda força. Mas a estrela não queria sair. Um a um, todos os Cortesãos se juntaram ao Chefe, até formarem uma longa corrente, cada qual puxando o homem diante de si pela cintura, e um cabo de guerra se formou entre os Cortesãos e a estrela.- Cuidado com minha cabeça!- Puxem com mais força! - rugiu o Rei.Eles puxaram com mais força, Puxaram até seus rostos ficarem vermelhos feito framboesa. Eles puxaram até não poderem mais e todos caírem um em cima do outro. A estrela nem se mexeu. Continuou presa ao chifre com muita firmeza.- Tsc, tsc, tsc! - disse o rei. - Secretário, dê uma olhadinha aí na enciclopédia o que diz sobre vacas com estrelas nos chifres.O Secretário se ajoelhou e começou a rastejar de baixo do trono. Logo emergiu de volta, arrastando um grande livro verde que era sempre mantido ali para o caso de o Rei querer saber alguma coisa.O secretário revirou as páginas.- Não há nada sobre o assunto, Vossa Majestade, exceto a história da Vaca que Pulou por Cima da Lua, mas essa o senhor já conhece.O rei esfregou o queixo, pois isso ajudava a pensar,Ele suspirou meio irritado e olhou para a Vaca Vermelha.- Tudo o que posso dizer é que seria melhor você também tentar fazer isso.- Tentar fazer o quê? - Disse a Vaca Vermelha.- pular por cima da Lua. Deve dar em alguma coisa. De qualquer modo, vale a pena tentar.- Eu? - disse a Vaca Vermelha com um olhar indignado.- Sim, você. Quem mais? - disse o rei, impaciente. Ele estava ansioso para ir ao Barbeiro.- Senhor - disse a Vaca Vermelha -, peço-lhe que se lembre que sou um animal muito respeitável e decente e que aprendi desde a infância que pular não é coisa que uma dama faça.O Rei se ergueu e chacoalhou seu cetro na direção dela.- Senhora - ele disse -, você veio aqui atrás de um conselho meu e acabei de dá-lo. Você quer continuar dançando pra sempre? Você quer passar fome pra sempre? Você quer continuar sem dormir pra sempre?A Vaca Vermelha pensou no suculento gosto doce dos dentes-de-leão. Ela pensou na grama do pasto e em como era macia de se deitar. Ela pensou em suas esgotadas pernas saltitantes e em como seria bom poder descansá-las. E disse a si mesma: "Talvez só uma vez não faça mal - e ninguém além do Rei precisa saber".- Será que é muito alto? - ela gritou, enquanto dançava.O Rei olhou para a Lua lá em cima.- Pelo menos um quilômetro e meio, acredito.A Vaca Vermelha concordou. E também pensou sobre o assunto. Refletiu por um momento, então se decidiu.- Nunca pensei que chegaria a tanto, Vossa Majestade. Pular, e por cima da Lua! mas eu vou tentar - e fez uma graciosa reverência em frente ao trono.- Muito bem - disse o Rei, satisfeito, percebendo que depois de tudo aquilo não chegaria atrasado ao barbeiro. - Siga-me!Ele enveredou pelo caminho até o jardim, e a Vaca Vermelha e os Cortesãos foram atrás dele.- Agora - disse o Rei, ao atingir o espaçoso gramado -, pule quando eu apitar!Ele retirou um grande apito dourado do bolso de seu colete e assoprou para se certificar de que não havia poeira dentro dele.A Vaca Vermelha dançava, prestando atenção.- Agora - disse o Rei. - Um! Dois! Três!Então apitou.A Vaca Vermelha, prendendo a respiração, deu um pulo enorme, gigantesco, e a terra balançou debaixo dela. Ela podia ver lá embaixo as silhuetas do Rei e dos Cortesãos ficando cada vez menores, até desaparecerem. Disparando acima, através do céu, com as estrelas girando ao redor dela como grandes baixelas douradas, logo a Vaca Vermelha sentiu, acima de si, a luz cegante e os raios frios da Lua. Fechou os olhos ao ultrapassá-la, e conforme o brilho deslumbrante ficou pra trás, jogou a cabeça em direçao à Terra e sentiu a estrela cadente deslizando pelo seu chifre. Fazendo um barulhão, a estrela se soltou de vez e saiu rolando pelo céu. E pareceu à Vaca que, ao desaparecer dentro da grande escuridão, acordes musicais saíram da estrela e ecoaram através do espaço.No minuto seguinte, a Vaca Vermelha já pousara novamente na Terra, Para sua grande surpresa, ela percebeu que não estava no jardim do Rei, e sim na sua própria campina de dente-de-leão.E ela tinha parado de dançar! Seus pés estavam tão imóveis como se tivessem sido feitos de pedra, e ela caminhava tão vagarosamente como qualquer outra respeitável vaca. Quieta e serenamente, ela se moveu através da campina, decapitando seus soldadinhos dourados enquanto seguia para cumprimentar a Bezerra Vermelha.- Estou feliz que você voltou! - disse a Bezerra Vermelha. - Eu estava tão sozinha...A Vaca Vermelha a beijou e se sentou para ruminar o pasto. Era sua primeira refeição de verdade em uma semana. E até sua fome ser satisfeita, teve que comer várias vezes. Depois disso sentiu-se melhor e logo começou a viver sua vida do mesmo jeito que era antes.Primeiro, ela apreciou bastante sua rotina tranquila, e ficou feliz por poder comer seu café da manhã sem ter que dançar, e também de poder se deitar na grama e dormir de noite em vez de ficar reverenciando a Lua até de manhã.Mas, depois de um tempo, ela passou a se sentir desconfortável e insatisfeita. Estava tudo muito bem com sua campina de dentes-de-leão e com a Bezerra Vermelha, mas ela queria algo mais e não podia imaginar o que podia ser. E, afinal, percebeu que sentia falta da estrela.Ela tinha se acostumado a dançar, e também à alegria que a estrela lhe dera, e gostaria de novamente dançar a melodia do marujo e ter a estrela em seu chifre.Ficou aflita, perdeu o apetite, seu humor se tornou atroz. E com frequência caía no choro sem nenhuma razão aparente. Por fim, procurou minha Mãe, contou-lhe toda história e pediu o conselho dela.- Minha querida! - minha Mãe disse a ela. - Você não acredita que apenas uma estrela tenha caído do céu, não é? Bilhões caem todas as noites, estou lhe dizendo. Mas elas caem em lugares diferentes, claro. Não espere que duas estrelas caiam na mesma campina no tempo inteiro de uma vida.- Então você acha... que se eu me mudasse?... - a Vaca Vermelha começou, com um olhar ansioso e feliz.- Se fosse comigo - minha Mãe falou -, eu iria procurar por uma.- Eu vou - disse a Vaca Vermelha, feliz da vida. - Mas vou mesmo.Mary Poppins fez uma pausa.- E é por isso, imagino, que ela esteja vagando pela Cherry Tree Lane - interrompeu Jane, com gentileza.- Sim - sussurrou Michael -, ela está procurando a estrela."


(Mary Poppins - Cap. 5 - A Vaca Dançante)

Por isso, meu amigo, quando uma estrela cair na sua cabeça, seja ela uma oportunidade, uma piscina pra mergulhar, um amigo pra perdoar, uma chance de voltar atrás. Seja ela uma oportunidade de ser gentil, de ajudar quem precisa. Uma chance de ouvir os problemas de alguém, de sorrir para uma criança, de dar um lugar no ônibus, de dizer à sua mãe o quanto a ama. Seja ela a oportunidade de mudar de ideia, de dar o braço a torcer, de aceitar opiniões que sejam diferentes da sua. Seja ela a oportunidade de devolver o pertence de alguém, de cumprimentar, de abraçar, de estender a mão, de dar um presente a quem você ama.
As estrelas, Cesar, vêm disfarçadas de oportunidades de se mostrar uma nova pessoa diante destas atitudes. Não deixe que elas passem, faça a diferença e honre a estrela que cair na sua cabeça. Você foi pra outra cidade, outro país em busca de estrelas e, quando elas caírem, seja gentil. Quando você voltar, outras estrelas lhe estarão esperando, não deixe que saiam de você. Pessoa nenhuma pode arrancar as estrelas que recebemos. Elas nos escolhem para que façamos o bem para os outros e para nós mesmos.

Então, Cesar, se uma estrela cair em sua cabeça, dance.

Com carinho,
Djessyka

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